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quarta-feira, 7 de julho de 2010

Dentro do ônibus [2]

Acordou com o saculejo do ônibus. Olhando pela janela viu o nascer de mais um dia se aproximar, mas dentro de si a escuridão da noite ainda habitava. Eram sonhos loucos os que vinha tendo, que a deixavam atordoada. Ainda faltava algum tempo para chegar ao seu destino e seu estômago começou a gritar por comida. Lá fora o frio parecia congelar o mundo, que silencioso devorava as horas. Sentada ali vendo o mundo passar ela percebeu a infinitude de rumos que sua vida poderia tomar por causa de sua decisão, por isso não acreditava em destino, mas em escolhas. Seu estômago a lembrou de que ainda estava viva e ela teve que atender ao chamado. Desejava não ter mais que comer, para não mais ter com o que se preocupar. Estava cansada de viver presa ao mundo, talvez fosse covarde demais para se matar, mas simplesmente não gostava daquela vida. Sonhadora porém ela nunca deixou de ser, só queria encontrar a felicidade verdadeira. Alguém agora roncava alto lá atrás e a senhora dormia tranquilamente, não tinha como sair sem acordá-la. Sem fazer nenhum barulho puxou o pacote de biscoito que estava na mochila da mulher e começou a devorá-los. Ela amava aqueles biscoitos de polvilho e esquecendo tudo que deixava para trás, sorriu em resposta ao seu estômago, que agora parava de roncar.

Continua...

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Do Começo [1]

Uma busca se iniciava. Eram passos, paredes, porta-retratos. Tudo o que ela deixava para trás. Saudades, pensamentos, memórias, angústias e ressentimentos. A partir dali tudo era apenas passado. Uma cortina se fechava e outra se abria, de repente a vida mudara. Difícil seria atentar-se nesse momento para todas as consequências de suas atitudes, para os reflexos de sua vida em outras. Não era fundamental esse pensamento, até porque nada a teria feito desistir de prosseguir. Era seu destino, mesmo que ela nunca tivesse acreditado nele antes. Tudo agora se concretizava diante de seus olhos. Suas estruturas gemiam, não sabia se falava ou se alçava vôo. Estava se distanciando de tudo o que conhecia, física e espiritualmente. Nunca chegaria o momento certo ou a hora exata. Vieram o medo, os calafrios e as incertezas. Assim, sua jornada se iniciava. Não se preocupou em deixar bilhete, carta ou qualquer outra coisa. Pegou a mochila e o pouco de dinheiro que estava guardado debaixo do armário da cozinha. Já era tarde, passava de meia noite. Ela seguiu em direção à rodoviária. Comprou passagem para o primeiro ônibus que a levaria longe dali. Ela precisava encontrar o que faltava para sua felicidade, ela corria em busca do outro pedaço da sua alma, um pedaço fundamental que nem ela mesma sabia que faltava até pouco tempo atrás. Isso estava incomodando-a há alguns meses, ela estava inquieta, impaciente. Queria encontrar o que ela não sabia que existia. Mesmo agora, largando tudo, ainda era inacreditável. Poderia ser loucura, insensatez ou algum tipo de doença, mas fazia parte dela! Seu corpo e alma pediam por ir, seguir em frente! E ela ouviu. Foi-se junto à estrada, vagando por hipóteses. Reclinava a cabeça na janela do ônibus enquanto ouvia uma senhora roncar ao seu lado. No banco de trás alguém tossia alto, o motor do ônibus zumbia na escuridão da noite. Ela seguia viagem com destino à liberdade e o motorista dirigia em direção à Governador Valadares.

Continua...