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sábado, 23 de abril de 2011

O Homem De Branco

Pela janela Ana olhava a lanchonete do posto, um lugar pequeno, bem iluminado, com mesinhas de madeira cobertas com pano vermelho e cadeiras combinando. Os poucos passageiros que haviam descido agora já voltavam. Chovia forte, um vento gostoso tocava sua pele vindo da porta aberta do ônibus. A porta se fechou e o motorista deu a partida. Olhou para o lado e, no lugar da senhora, sentou-se um homem baixo, ruivo. Olhou a nos olhos e um azul profundo hipnotizou seus pensamentos. A única coisa que consegui falar foi:
- Tem uma senhora sentada aqui!
Com um sorriso no rosto, ele respondeu:
- Eu sei. Mas eu quero falar com você Ana!
Ela nem se preocupou em disfarçar o susto que tomou ao ouvir seu nome sair da boca de um desconhecido.
- Como você sabe meu nome?
- Eu sei tudo sobre você Ana. Sei onde você morava, quem são seus pais, seus gostos e o mais importante: porque você está aqui.
- E por que eu estou aqui?
- Ora, se eu falar sua viagem perde o sentido... Concorda?
O homem parecia estar se divertindo com a situação. Ana decidiu entrar naquela estranha brincadeira.
- E quem é você?
- Eu sou quem você quiser que eu seja.
- Então seu nome é Pedro. De onde você me conhece?
- Do hospital que você nasceu.
- Você também nasceu lá?
- Eu nunca nasci, nem sequer sei se existo.
O homem era mais louco do que parecia.
- Eu só existo se você quiser. Como disse, sou quem você quiser que eu seja. Se você quiser que eu seja ninguém, então serei ninguém.
- Mas ainda assim será alguém.
A frase pareceu sair da sua boca sem passar pela cabeça, tão espontânea que foi como se ouvisse outra pessoa falar.
- Você já está aprendendo.
O homem se levantou e foi em direção ao motorista. O ônibus parou no primeiro acostamento e o homem desceu. Ana foi acompanhado pela janela, buscando o homem no meio da escuridão chuvosa. E lá estava ele, parado, com sua roupa branca brilhando na escuridão, acenando em despedida.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Dentro do ônibus [2]

Acordou com o saculejo do ônibus. Olhando pela janela viu o nascer de mais um dia se aproximar, mas dentro de si a escuridão da noite ainda habitava. Eram sonhos loucos os que vinha tendo, que a deixavam atordoada. Ainda faltava algum tempo para chegar ao seu destino e seu estômago começou a gritar por comida. Lá fora o frio parecia congelar o mundo, que silencioso devorava as horas. Sentada ali vendo o mundo passar ela percebeu a infinitude de rumos que sua vida poderia tomar por causa de sua decisão, por isso não acreditava em destino, mas em escolhas. Seu estômago a lembrou de que ainda estava viva e ela teve que atender ao chamado. Desejava não ter mais que comer, para não mais ter com o que se preocupar. Estava cansada de viver presa ao mundo, talvez fosse covarde demais para se matar, mas simplesmente não gostava daquela vida. Sonhadora porém ela nunca deixou de ser, só queria encontrar a felicidade verdadeira. Alguém agora roncava alto lá atrás e a senhora dormia tranquilamente, não tinha como sair sem acordá-la. Sem fazer nenhum barulho puxou o pacote de biscoito que estava na mochila da mulher e começou a devorá-los. Ela amava aqueles biscoitos de polvilho e esquecendo tudo que deixava para trás, sorriu em resposta ao seu estômago, que agora parava de roncar.

Continua...

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Do Começo [1]

Uma busca se iniciava. Eram passos, paredes, porta-retratos. Tudo o que ela deixava para trás. Saudades, pensamentos, memórias, angústias e ressentimentos. A partir dali tudo era apenas passado. Uma cortina se fechava e outra se abria, de repente a vida mudara. Difícil seria atentar-se nesse momento para todas as consequências de suas atitudes, para os reflexos de sua vida em outras. Não era fundamental esse pensamento, até porque nada a teria feito desistir de prosseguir. Era seu destino, mesmo que ela nunca tivesse acreditado nele antes. Tudo agora se concretizava diante de seus olhos. Suas estruturas gemiam, não sabia se falava ou se alçava vôo. Estava se distanciando de tudo o que conhecia, física e espiritualmente. Nunca chegaria o momento certo ou a hora exata. Vieram o medo, os calafrios e as incertezas. Assim, sua jornada se iniciava. Não se preocupou em deixar bilhete, carta ou qualquer outra coisa. Pegou a mochila e o pouco de dinheiro que estava guardado debaixo do armário da cozinha. Já era tarde, passava de meia noite. Ela seguiu em direção à rodoviária. Comprou passagem para o primeiro ônibus que a levaria longe dali. Ela precisava encontrar o que faltava para sua felicidade, ela corria em busca do outro pedaço da sua alma, um pedaço fundamental que nem ela mesma sabia que faltava até pouco tempo atrás. Isso estava incomodando-a há alguns meses, ela estava inquieta, impaciente. Queria encontrar o que ela não sabia que existia. Mesmo agora, largando tudo, ainda era inacreditável. Poderia ser loucura, insensatez ou algum tipo de doença, mas fazia parte dela! Seu corpo e alma pediam por ir, seguir em frente! E ela ouviu. Foi-se junto à estrada, vagando por hipóteses. Reclinava a cabeça na janela do ônibus enquanto ouvia uma senhora roncar ao seu lado. No banco de trás alguém tossia alto, o motor do ônibus zumbia na escuridão da noite. Ela seguia viagem com destino à liberdade e o motorista dirigia em direção à Governador Valadares.

Continua...